Cidade da Praia, 23 Abr (Inforpress) – Maria Clara Marques é uma docente reformada que desde pequena sentiu que a sua missão era de ensinar e que queria ser professora e assim dar o seu contributo no desenvolvimento de Cabo Verde.
Clara Marques nasceu em 1954, na localidade de Rui Vaz, na altura concelho da Praia, mas aos cinco anos tornou-se a “menina da Praia Maria”.
Formada em Ciências de Educação, é presidente do Conselho Fiscal da Cáritas de Cabo Verde e foi nomeada mulher do Ano, na quinta edição da Gala “Somos Cabo Verde”.
É criadora do Prémio Professor Cabo-verdiano -Lecciona, e vem ao longo dos anos desenvolvendo várias actividades como activista social.
Além de professora, já foi delegada da Educação da Praia, fundadora do escuteiro na Calheta de São Miguel, Inspectora de ensino e inspectora-geral de Educação.
Em entrevista à Inforpress, a propósito do dia do Professor Cabo-Verdiano, que se celebra hoje, conta que durante o seu percurso profissional ficou marcada por momentos inesquecíveis e de um aprendizado para toda a vida.
O seu primeiro contacto com a educação, segundo conta, foi ainda quando tinha cinco anos e frequentava o jardim da Cruz Vermelha, na Cidade da Praia, onde começou a aprender as primeiras letras do alfabeto.
“Com cinco anos, vim para a Praia e a partir desta altura comecei a aprender as primeiras letras, com as irmãs no Jardim da Cruz Vermelha e via como é que tomavam conta das crianças, ensinavam as canções e brincadeiras. Passado algum tempo, fui estudar com as freiras, fiz todo o meu ensino básico na altura como aluna daquela escola, no bairro Craveiro Lopes em 1965”, lembra.
Mas, revelou que continuou a frequentar o jardim, onde fazia aulas de costuras e bordados, e sempre de olhos nos mais pequenos, principalmente no momento em que decorriam as brincadeiras e aulas de cântico. Até que um dia, segundo conta, após ajudar as freiras a ensinar as crianças a cantar, a vida lhe deu a certeza de que quando crescer iria ser professora.
Em 1973, ainda no período colonial, e ano do assassinato de Amílcar Cabral, concluiu o curso na Escola de Formação de Professores e foi uma das escolhidas no grupo de melhores alunos para fazer uma visita de estudo, por um período de um mês, em Portugal.
“Era uma altura muito difícil, porque em Janeiro de 73, Amílcar Cabral foi assassinado, havia um aperto enorme nas escolas de formação em todo país, sobre como seriam as coisas. E quando regressámos de Portugal, tivemos um choque porque o professor nos disse que os melhores alunos seriam enviados para as zonas menos desenvolvidas para leccionar”, disse, recordando que a sua primeira missão como professora foi dar aulas na Calheta de São Miguel e assim começar a sua grande jornada.
E durante o período que leccionou na Calheta, Clara Marques criou um corpo de escuteiros nesse concelho, que passaria a ter pela primeira vez o grupo de escuteiros. E o seu regresso a cidade da Praia aconteceu após a revolução de 25 de Abril, onde começou a trabalhar como professora e directora da escola do bairro de Achada de São Filipe.
Questionada onde é que estava quando foi proclamada a independência de Cabo Verde, disse que na altura estava na cidade da Praia e que viveu um dos momentos mais marcantes e esperados do processo da luta armada e nova luz se fez brilhar nas terras do arquipélago.
“Com a proclamação da independência nacional, o acesso à educação deixou de ser para a classe considerada elite e passou a ser para todos e todos que ambicionavam frequentar a escola teve o seu sonho realizado”, afirmou.
Já em 1985, foi convidada para ser inspectora de ensino para as ilhas do Fogo, Brava, Santiago tendo começado uma nova experiência na área da educação, mas nunca deixando de lado o seu amor pela docência.
“Como inspectora, fiz com que os professores adoptassem um modelo diferente de dar aulas, que deixassem de improvisar e que preparassem melhor as aulas. Enfim, deixei de dar aulas aos alunos e passei a dar aulas aos professores para puderem trabalhar melhor”, enfatizou.
Para esta docente, o sistema educativo cabo-verdiano vem sofrendo mudanças significativas ao longo dos anos, destacando a formação de professores, o alargamento do ensino de 4 para 6 anos de escolaridade e a mudança de conteúdos curriculares como principais aspectos da primeira reforma de ensino ocorrido em 1986.
Fazendo uma análise sobre a evolução da educação em Cabo Verde, assevera que as reformas foram feitas em virtude das necessidades e exigências do país que registou ganhos e enfrenta desafios.
Defendeu uma maior aposta na avaliação e aposta permanente na formação dos professores. Isto, no seu entender, para dar-lhes cada vez mais conhecimento e instrumentos que contribuam para o desenvolvimento do sistema educativo.
“A educação em Cabo Verde tem progredido dentro do possível, mas tendo em contas as nossas especificidades da insularidade, não ajuda muito que se faça muita coisa tendo em conta que os custos são avultados”, declarou, mostrando-se por outro lado reticente relativamente a criação de agrupamentos escolares e o seu real impacto no sistema educativo.
Considerando a educação como pilar de desenvolvimento de qualquer sociedade, desafiou os professores a serem cada vez mais “ousados” e “abertos”, apontando a necessidade de se apostar no reforço e reciclagem dos mesmos, visando garantir e melhorar o seu desempenho profissional.
Abordando a medida do Governo relativamente à implementação do ensino à distância face ao contexto da pandemia do novo coronavírus, destacou a iniciativa, defendendo, no entanto, a necessidade de criação de condições para que ninguém fique de fora, uma vez que nem todos os alunos têm a oportunidade de participar.
Para Clara Marques, a profissão do professor é valorizada em Cabo Verde sim, mas frisou que os próprios professores precisam valorizar os seus trabalhos, isto numa altura em que a democratização do ensino fez com que houvesse muito mais professores em Cabo Verde.
Hoje reformada, depois de ter dedicado 42 anos ao serviço do Ministério da Educação, é directora do Museu da Educação, uma instituição que criou há 10 anos, com objectivo de resgatar os materiais de educação e concretizar o sonho de preservação e valorização dos materiais didácticos.
Clara Marques afirma que quer continuar a dar o seu contributo no desenvolvimento do ensino e de Cabo Verde e que enquanto viver manterá consigo acesa e presente a sua paixão pelo ensino.
“O mais gratificante é o dia-a-dia com os alunos, educação é uma profissão, mãe das outras profissões. Os professores devem ser valorizados, devem valorizar os seus trabalhos, dando a visibilidade aos seus trabalhos para poderem continuar a serem pessoas imprescindíveis”, declarou.
CM/JMV
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